O adoecimento geralmente é percebido
pelo paciente como uma ruptura no processo normal de desenvolvimento, uma
inadequação, um fenômeno indesejado que acomete o sujeito, sendo capaz de mudar
tudo que ele já havia estruturado até o momento. Além disso, o adoecimento não
acomete unicamente o paciente e, sim, toda sua família e o círculo social em
que vive.
Quando o paciente em questão é criança,
tudo pode ganhar maiores dimensões justamente em função da fase do
desenvolvimento em que o paciente se encontra. Para Ajuriaguerra (apud SAGGESE;
MACIEL, 1996), a situação de adoecimento corporal provoca na criança uma grande
quantidade de modificações de ordem subjetiva relacionadas às mudanças corporais,
ao desconforto, ao medo da morte e aos remanejamentos necessários no contexto familiar.
A angústia frente ao desconhecido é um elemento sempre presente, aliado aos sentimentos
de auto desvalorização perante outras crianças, decorrentes das limitações
físicas que a doença impõe e da impossibilidade de reagir como anteriormente às
demandas ambientais.
Campus, Álvares e Abreu (2004) sublinham
que, tanto através de trabalhos publicados quanto na própria prática clínica,
as emoções mobilizadas pelo adoecimento de uma criança são diferentes das
despertadas quando do adoecimento adulto. Penna (2004) concorda com essa idéia e
especifica que o papel que o doente ocupa na família acarretará diferentes
reações nos outros membros. Nesse sentido, pode-se pensar na grande mobilização
gerada pelo adoecimento infantil.
Um ponto que deve ser ressaltado e investigado
com relação ao adoecimento infantil são as fantasias mobilizadas em decorrência
dessa situação. As fantasias surgem justamente como uma ancoragem segura,
funcionando como pontos de certeza em momentos marcados pelo não-saber frente
ao desconhecido. As fantasias são uma forma de equilíbrio psíquico utilizado de
forma inconsciente pelo sujeito a fim de se proteger da angústia ameaçadora que
o invade.
Saggese e Maciel (1996) afirmam que esses
aspectos são intensificados nas doenças graves e crônicas e, principalmente,
quando essas exigem internação hospitalar. O contexto institucional hospitalar
implica o desconhecido para a criança, com a perda do ambiente doméstico, da
esfera familiar em todo o seu aparato, a quebra do ritmo de vida, com a perda da
escola e dos horários habituais e a adaptação a um novo sistema. Dessa maneira,
a criança é confrontada com a vertente deficitária de seu próprio corpo, com
outras crianças adoecidas, com a situação de morte, ficando também submetida
aos procedimentos técnicos da equipe de saúde e à manipulação física, que podem
ser sentidos como incômodos e dolorosos.
A experiência da hospitalização pode ter
seus efeitos negativos minimizados quando as crianças, principalmente na
pré-escola, entram em contato com outras, também acometidas por enfermidades.
Essas poderão tratar das dificuldades enfrentadas de diferentes maneiras (YOUNGBLUT;
BROOTEN, 1999), sendo que essa troca pode melhorar a qualidade de vida dessas crianças
que possuem doenças crônicas. Ainda sobre o relacionamento social de crianças
doentes, Lino (1994) coloca que o adoecimento físico também pode gerar na criança
sentimentos de baixa auto-estima. Isso fica evidenciado na dificuldade que
algumas delas apresentam para estabelecer um convívio social saudável. O
problema do adoecimento pode se configurar como mais um obstáculo para a
criança no relacionamento com seus pares, tendendo a isolar-se para não
demonstrar seu sofrimento, por temer a rejeição.
Para Oliveira, Dias e Roazzi (2003), o
ambiente hospitalar - com seu típico caráter asséptico – é em geral
aterrorizante, pois não existe nada nesse lugar que a criança possa identificar
com suas experiências anteriores. Além disso, a debilitação física e emocional
nesse momento contribuem para a vivência desprazerosa dessa situação. A equipe
de saúde, por sua vez, preocupa-se em demasia com o tratamento do órgão doente,
esquecendo de olhar a criança de forma integral e desconsiderando as
especificidades de cada fase do desenvolvimento. Dessa maneira, a equipe pode
não oferecer a continência necessária e não auxilia, de modo algum, no
enfrentamento da situação de hospitalização pela criança.
Percebemos ser necessário, nesse
momento, esclarecer sobre o corpo de que estamos falando, tendo em vista os
diferentes olhares existentes sobre ele. O nosso objetivo aqui não é falar
sobre a dimensão médica do corpo, que o considera um emaranhado de órgãos
ligados entre si, mas sim considerar o corpo baseado na teoria psicanalítica,
que o entende como corpo erógeno.
(...)
A internação pode implicar uma série de sentimentos
de desconforto, inclusive o processo de despersonalização - muito comum no
ambiente hospitalar e em grandes períodos de internação - pois o paciente passa
a ser tratado em função do quadro de sintomas que apresenta e não mais pela sua
singularidade enquanto indivíduo. Com relação a isso, Souza, Camargo e Bulgacov
(2003, p. 102) ressaltam que “a criança concreta, que está atualmente internada
em um hospital, tem um nome e, por tanto, possui uma história que a faz
singular”.
Para Chiattone (2003), vários são os
efeitos psicológicos que podem ser citados como conseqüência da hospitalização
em crianças, entre eles estão: negação da doença, revolta, culpa e sensação de
punição, ansiedade, depressão, projeção, solidão, frustração de sonhos e
projetos, negativismo. O autor acredita que os efeitos da hospitalização estão
diretamente relacionados à faixa etária da criança. Por exemplo, para uma criança
na faixa etária entre 0 a
18 meses, os efeitos da hospitalização são tensão, agitação e insegurança. Já
em uma criança com idade entre os 6 e 12 anos, esses efeitos se traduzem por sentimentos
de raiva/culpa, ressentimento por ser diferente, interferência nas relações com
o grupo, faltas escolares, entre outros.
Além da faixa etária, existem outros
fatores capazes de interferir na maneira como a criança vivencia essa
experiência de hospitalização, entre eles estão a situação psicoafetiva da criança
no momento da doença/hospitalização, a personalidade, a capacidade de adaptação
e as experiências vividas durante a hospitalização.
Para Mitre e Gomes (2004), a
hospitalização, além de afastar a criança de sua vida cotidiana, promove um
confronto com a dor, com a limitação física e com a passividade, podendo despertar
sentimentos de culpa, punição e medo da morte.
Segundo essas autoras, para que a
criança consiga elaborar essa experiência de desprazer, é preciso que ela
disponha de instrumentos de seu inteiro domínio e conhecimento, sendo o brincar
uma das formas possíveis de intervenção nesses casos.
Uma questão interessante é com relação à
forma como a criança entende sua doença e conseqüente hospitalização. Em alguns
casos, a criança pode entender a doença e hospitalização como uma punição por
algum “delito” que ela tenha cometido. Isso pode acontecer em função do
pensamento mágico e onipotente que a criança apresenta em determinadas fases do
seu desenvolvimento.
Após uma extensa revisão sobre o tema criança
e hospital, os autores Souza, Camargo e Bulgacov (2003) descobriram que as
pesquisas que estão sendo realizadas atualmente deixam uma lacuna no que diz
respeito ao estudo da emoção no contexto de pessoas hospitalizadas.
O estudo
constatou a predominância de comportamentos de repressão dos sentimentos (“ela
é boazinha”, “menino não chora”), em que é reproduzida na situação hospitalar a
prática de que as crianças não devem expressar suas emoções. Além disso, também
é comum, quando a criança expressa sua raiva e comportamento agressivo, que as
pessoas presentes tendam a ignorar esses comportamentos, não validando sua
expressão e, com isso, não valorizando a emoção presente em tais situações.
Texto retirado do livro VIDYA, v. 24, nº 42, p.
181-190, jul./dez., 2004 - Santa Maria, 2007. Capítulo-HOSPITALIZAÇÃO INFANTIL
E EDUCAÇÃO: CAMINHOS POSSÍVEIS PARA A CRIANÇA DOENTE, Saccol,
Camila s.; Fighera, Jossiele; Dorneles, Letícia.
Clicando no link você terá acesso a Carta da Criança
Hospitalizada, ela foi adaptada em 1988 em Leiden/Holanda é uma listagem dos
direitos da criança antes, durante ou depois de um internamento hospitalar.