domingo, 1 de dezembro de 2013

A Criança Hospitalizada





O adoecimento geralmente é percebido pelo paciente como uma ruptura no processo normal de desenvolvimento, uma inadequação, um fenômeno indesejado que acomete o sujeito, sendo capaz de mudar tudo que ele já havia estruturado até o momento. Além disso, o adoecimento não acomete unicamente o paciente e, sim, toda sua família e o círculo social em que vive.
Quando o paciente em questão é criança, tudo pode ganhar maiores dimensões justamente em função da fase do desenvolvimento em que o paciente se encontra. Para Ajuriaguerra (apud SAGGESE; MACIEL, 1996), a situação de adoecimento corporal provoca na criança uma grande quantidade de modificações de ordem subjetiva relacionadas às mudanças corporais, ao desconforto, ao medo da morte e aos remanejamentos necessários no contexto familiar. A angústia frente ao desconhecido é um elemento sempre presente, aliado aos sentimentos de auto desvalorização perante outras crianças, decorrentes das limitações físicas que a doença impõe e da impossibilidade de reagir como anteriormente às demandas ambientais.
Campus, Álvares e Abreu (2004) sublinham que, tanto através de trabalhos publicados quanto na própria prática clínica, as emoções mobilizadas pelo adoecimento de uma criança são diferentes das despertadas quando do adoecimento adulto. Penna (2004) concorda com essa idéia e especifica que o papel que o doente ocupa na família acarretará diferentes reações nos outros membros. Nesse sentido, pode-se pensar na grande mobilização gerada pelo adoecimento infantil.
Um ponto que deve ser ressaltado e investigado com relação ao adoecimento infantil são as fantasias mobilizadas em decorrência dessa situação. As fantasias surgem justamente como uma ancoragem segura, funcionando como pontos de certeza em momentos marcados pelo não-saber frente ao desconhecido. As fantasias são uma forma de equilíbrio psíquico utilizado de forma inconsciente pelo sujeito a fim de se proteger da angústia ameaçadora que o invade.
Saggese e Maciel (1996) afirmam que esses aspectos são intensificados nas doenças graves e crônicas e, principalmente, quando essas exigem internação hospitalar. O contexto institucional hospitalar implica o desconhecido para a criança, com a perda do ambiente doméstico, da esfera familiar em todo o seu aparato, a quebra do ritmo de vida, com a perda da escola e dos horários habituais e a adaptação a um novo sistema. Dessa maneira, a criança é confrontada com a vertente deficitária de seu próprio corpo, com outras crianças adoecidas, com a situação de morte, ficando também submetida aos procedimentos técnicos da equipe de saúde e à manipulação física, que podem ser sentidos como incômodos e dolorosos.
A experiência da hospitalização pode ter seus efeitos negativos minimizados quando as crianças, principalmente na pré-escola, entram em contato com outras, também acometidas por enfermidades. Essas poderão tratar das dificuldades enfrentadas de diferentes maneiras (YOUNGBLUT; BROOTEN, 1999), sendo que essa troca pode melhorar a qualidade de vida dessas crianças que possuem doenças crônicas. Ainda sobre o relacionamento social de crianças doentes, Lino (1994) coloca que o adoecimento físico também pode gerar na criança sentimentos de baixa auto-estima. Isso fica evidenciado na dificuldade que algumas delas apresentam para estabelecer um convívio social saudável. O problema do adoecimento pode se configurar como mais um obstáculo para a criança no relacionamento com seus pares, tendendo a isolar-se para não demonstrar seu sofrimento, por temer a rejeição.
Para Oliveira, Dias e Roazzi (2003), o ambiente hospitalar - com seu típico caráter asséptico – é em geral aterrorizante, pois não existe nada nesse lugar que a criança possa identificar com suas experiências anteriores. Além disso, a debilitação física e emocional nesse momento contribuem para a vivência desprazerosa dessa situação. A equipe de saúde, por sua vez, preocupa-se em demasia com o tratamento do órgão doente, esquecendo de olhar a criança de forma integral e desconsiderando as especificidades de cada fase do desenvolvimento. Dessa maneira, a equipe pode não oferecer a continência necessária e não auxilia, de modo algum, no enfrentamento da situação de hospitalização pela criança.
Percebemos ser necessário, nesse momento, esclarecer sobre o corpo de que estamos falando, tendo em vista os diferentes olhares existentes sobre ele. O nosso objetivo aqui não é falar sobre a dimensão médica do corpo, que o considera um emaranhado de órgãos ligados entre si, mas sim considerar o corpo baseado na teoria psicanalítica, que o entende como corpo erógeno.
(...)
A internação pode implicar uma série de sentimentos de desconforto, inclusive o processo de despersonalização - muito comum no ambiente hospitalar e em grandes períodos de internação - pois o paciente passa a ser tratado em função do quadro de sintomas que apresenta e não mais pela sua singularidade enquanto indivíduo. Com relação a isso, Souza, Camargo e Bulgacov (2003, p. 102) ressaltam que “a criança concreta, que está atualmente internada em um hospital, tem um nome e, por tanto, possui uma história que a faz singular”.
Para Chiattone (2003), vários são os efeitos psicológicos que podem ser citados como conseqüência da hospitalização em crianças, entre eles estão: negação da doença, revolta, culpa e sensação de punição, ansiedade, depressão, projeção, solidão, frustração de sonhos e projetos, negativismo. O autor acredita que os efeitos da hospitalização estão diretamente relacionados à faixa etária da criança. Por exemplo, para uma criança na faixa etária entre 0 a 18 meses, os efeitos da hospitalização são tensão, agitação e insegurança. Já em uma criança com idade entre os 6 e 12 anos, esses efeitos se traduzem por sentimentos de raiva/culpa, ressentimento por ser diferente, interferência nas relações com o grupo, faltas escolares, entre outros.
Além da faixa etária, existem outros fatores capazes de interferir na maneira como a criança vivencia essa experiência de hospitalização, entre eles estão a situação psicoafetiva da criança no momento da doença/hospitalização, a personalidade, a capacidade de adaptação e as experiências vividas durante a hospitalização.
Para Mitre e Gomes (2004), a hospitalização, além de afastar a criança de sua vida cotidiana, promove um confronto com a dor, com a limitação física e com a passividade, podendo despertar sentimentos de culpa, punição e medo da morte.
Segundo essas autoras, para que a criança consiga elaborar essa experiência de desprazer, é preciso que ela disponha de instrumentos de seu inteiro domínio e conhecimento, sendo o brincar uma das formas possíveis de intervenção nesses casos.
Uma questão interessante é com relação à forma como a criança entende sua doença e conseqüente hospitalização. Em alguns casos, a criança pode entender a doença e hospitalização como uma punição por algum “delito” que ela tenha cometido. Isso pode acontecer em função do pensamento mágico e onipotente que a criança apresenta em determinadas fases do seu desenvolvimento.
Após uma extensa revisão sobre o tema criança e hospital, os autores Souza, Camargo e Bulgacov (2003) descobriram que as pesquisas que estão sendo realizadas atualmente deixam uma lacuna no que diz respeito ao estudo da emoção no contexto de pessoas hospitalizadas.


O estudo constatou a predominância de comportamentos de repressão dos sentimentos (“ela é boazinha”, “menino não chora”), em que é reproduzida na situação hospitalar a prática de que as crianças não devem expressar suas emoções. Além disso, também é comum, quando a criança expressa sua raiva e comportamento agressivo, que as pessoas presentes tendam a ignorar esses comportamentos, não validando sua expressão e, com isso, não valorizando a emoção presente em tais situações.

Texto retirado do livro VIDYA, v. 24, nº 42, p. 181-190, jul./dez., 2004 - Santa Maria, 2007. Capítulo-HOSPITALIZAÇÃO INFANTIL E EDUCAÇÃO: CAMINHOS POSSÍVEIS PARA A CRIANÇA DOENTE,  Saccol, Camila s.; Fighera, Jossiele; Dorneles, Letícia.

Clicando no link você terá acesso a Carta da Criança Hospitalizada, ela foi adaptada em 1988 em Leiden/Holanda é uma listagem dos direitos da criança antes, durante ou depois de um internamento hospitalar.





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